"[...] Na istrada do disingano/andei de noite e de dia/inludido percurano/aprendê o qui num sabia [...]" (Elomar Figueira Melo. Desafio - Fragmento do quinto canto: Das violas da morte, do Auto da Catingueira)





quinta-feira, 30 de junho de 2011

André Lux: DVD/Blu-ray: "ALEXANDRIA" (Ágora)

Bira Pimentel: para o pessoal que se amarra na sétima arte, não deixem de sempre dar uma passada no blog de André Lux. O cara entende de fato do assunto e faz comentários contundentes sobre películas que a maioria da crítica ortodoxa da grande mídia sempre distorce.

 


O SER HUMANO É INVIÁVEL

Se vivêssemos em uma sociedade justa e inteligente, “Alexandria” receberia todos os tipos de prêmios e seria celebrado como um dos filmes mais importantes já feitos.
- por André Lux, crítico-spam

Fazia tempo que eu não assistia a um filme tão impressionante como “Alexandria”, do diretor chileno radicado na Espanha Alejandro Amenabar (de “Os Outros” e “Mar Adentro”). Trata-se de uma obra arrebatadora, extremamente bem feita e que recria com perfeição o que seria a Alexandria do Século IV D.C., época em que o Império Romano já estava em decadência e o cristianismo acabara de deixar de ser proibido, apenas para então começar a perseguir e proibir os outros cultos.





No meio de toda essa agitação e caos estava a professora, filósofa e astrônoma Hypatia. Amada por um de seus alunos e por seu escravo, ela não se curvava a ninguém, pois sua única paixão na vida era o estudo dos corpos celestes. É essa personagem real que serve de esteio ao filme, enquanto o roteiro avança de forma trágica à medida que os conflitos entre cristãos, pagãos e judeus culmina em violência e guerras declaradas.

A condenação a todo tipo de fanatismo está no centro de “Alexandria” e Amenabar imprime suas convicções ideológicas com grande destreza, dosando com perfeição cenas grandiosas e cheias de efeitos visuais com outras mais intimistas e profundas. De vez em quando, a câmera viaja até o espaço e vemos a Terra em toda sua majestade, como que para nos lembrar da nossa insignificância perante o universo. Em momentos como esse, o filme chega perto do sublime.

Numa das cenas mais emocionantes de “Alexandria”, a protagonista, vivida esplendidamente por Rachel Weisz, confronta um de seus ex-alunos que se tornou bispo cristão e tenta convertê-la à sua fé que, como bem sabemos, não permite jamais o questionamento: “Mas se você não questiona a sua fé, então não acredita realmente nela”. Em outro momento, ao ser acusada de "não acreditar em nada" pelo seu ateísmo, Hypatia responde: "Eu acredito na Filosofia". Sinceramente, diálogos em filmes não podem ser mais perfeitos do que esse.

É interessante também como a obra mostra de forma clara o retrocesso que a seita cristã trouxe para o mundo. Se a civilização anterior obviamente não era isenta de falhas (como permitir a escravidão, servir sacrifícios aos deuses e se dividir em castas), é inegável que reservava ao ser humano um papel muito mais nobre e intelectual do que o obscurantismo cego pregado pelo cristianismo. Tanto é que, pouco tempo depois da ascensão daquele culto ao poder, o mundo entraria na escuridão da idade média e de todo o horror cometido durante aquele período.
O mais importante de “Alexandria”, todavia, é o paralelo que o cineasta trava entre o mundo retratado pelo filme e o fanatismo que existe até hoje, capaz de gerar suficiente ódio entre as pessoas para que cometam os atos mais escabrosos possíveis. E tudo em nome de algum deus inventado que, se realmente existisse, estaria morrendo de vergonha de toda a loucura que realizam em seu nome e certamente diria algo como: “o ser humano é inviável”.

Se vivêssemos em uma sociedade justa e inteligente, “Alexandria” receberia todos os tipos de prêmios e seria celebrado como um dos filmes mais importantes já feitos. Todavia, como essa sociedade não é justa muito menos inteligente, só resta aos que dominam o sistema ignorar esse tipo de obra e torcer para que ela seja lançada ao ostracismo rapidamente.

Não se depender de mim. E você, o que acha?

Cotação:
* * * * *

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