"[...] Na istrada do disingano/andei de noite e de dia/inludido percurano/aprendê o qui num sabia [...]" (Elomar Figueira Melo. Desafio - Fragmento do quinto canto: Das violas da morte, do Auto da Catingueira)





segunda-feira, 27 de junho de 2011

Pela volta das tradições, não do desrespeito: o São João em Cruz das Almas



Recolhido do Blog O Recôncavo.
Era previsível: quem já tinha espadas de fogo não iria jogá-las fora ou entregá-las à polícia. Espada custa caro e ninguém rasga dinheiro, embora, como se vê, há quem queime.
Logo, mesmo com a proibição da tradicional guerra de espadas, um número reduzido de pessoas desafiou a proibição e fez sua festa.
Entretanto, foi visível e robusta a redução do número de espadas soltas na cidade. Isto refletiu diretamente na diminuição dos queimados, feridos e prejuízos causados. Foram 74 feridos este ano, contra aproximadamente 350 no ano anterior. Os números falam por si.
Pela primeira vez uma parcela significativa da sociedade de Cruz das Almas, que desaprova e teme a queima de espadas, pôde sentir-se segura. A coisa era uma brincadeira e uma tradição. Era. Mas perderam o limite e agora toda a sociedade era vítima de uma prática perigosa e que impunha um estado de sítio absurdo e ilegal, além de expor a vida das pessoas, bem maior a ser preservado e superior a qualquer tradição.
As pessoas transitaram na cidade sem medo e o fluxo de gente passando nas casas dos vizinhos, parentes e amigos aumentou. São João passou aí? – perguntavam os libertos, sem maiores temores de sair de casa.
A atitude corajosa do Ministério Público e da Justiça, a despeito de toda reação, deu a esta parcela da sociedade (majoritária, creio) argumentos concretos para afirmar que o São João não acabou com a proibição da queima de espadas nas ruas de Cruz das Almas.
Ao contrário: a festa pode se revigorar justamente com o estabelecimento de limites claros de conduta, imprescindíveis numa sociedade.
Quando o vereador Benção de Deus propôs o espadódromo, mesmo que atrasado alguns anos, estava certo. O espadódromo ou algo que o valha, agora é imprescindível, bem como a regulamentação federal da prática, da fabricação e do armazenamento.
Uma maioria silenciosa provou o gostinho do respeito e não está mais disposta a abrir mão dele.
A proibição da guerra de espadas impõe uma discussão séria e em outro nível. Se os espadeiros querem continuar a tradição terão que negociar os limites disso.
Agora a discussão sobre a fabricação, armazenamento, local e condições para a manutenção da tradição ganha condições de existir.
Este diálogo deverá contar com a participação de uma maioria, então silenciosa, que desaprovava a falta de limites da prática, mas era muitas vezes coagida a não se manifestar, com medo de ser literalmente “bombardeada” por alguns radicais. E isto não era uma atitude democrática e cidadã.
Os vereadores de Cruz das Almas precisam entender este fato: até agora, só um lado falava. Agora isso mudou, graças à Justiça.
O Estado brasileiro, por meio da justiça, criou as condições de impulsionarmos ainda mais o São João de Cruz das Almas. Só precisamos agir sem demagogia e proselitismo político.
Até as guerras de verdade acabam nas mesas de negociação.
A hora é de discutirmos todas as tradições da festa, não somente uma. A começar pelo retorno do velho e bom arrasta-pé, do forrozinho pobre, mas descente, e que vem sendo substituído pelo “forró de plástico” ou o “pagode de coito”, tocado em volume máximo nos postos de gasolina, também sem nenhum limite.
Nossas tradições são múltiplas, não se restringem somente às espadas. Todas elas devem ser respeitadas. E todos os cidadãos também.
Por Charles Carmo

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